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Tocam os sinos da torre da igreja
Há rosmaninho e alecrim pelo chão
Na nossa aldeia que Deus a proteja
Vai passando a procissão
(...)
António Lopes Ribeiro

Parte 1 

No livro «A Lenda do Cabeço do Outeiro dos Riscos» há a referência a um símbolo muito importante, principalmente nas comunidades rurais – o sino –, e a uma sequência de badaladas ao findar do dia, o chamado Toque às Trindades.

A minha mãe falou-me do Toque das Trindades; o meu pai recordou as orações; ambos deslindaram a sequência das badaladas:

3 + 3 + 3

No intervalo, as orações:

1 – O Anjo do Senhor anunciou a Maria e Ela o concebeu pelo poder do Espírito Santo. Avé Maria, cheia de graça (…) 

2 – Eis a escrava do Senhor, faça-se em mim a sua Palavra. Avé Maria, cheia de graça (…) 

3 – O Verbo divino encarnou e habitou entre nós. Avé Maria, cheia de graça (…) 

Depois, 9 badaladas e, entre cada uma, uma Avé Maria. No final, um Pai Nosso: Pai Nosso que estais no Céu (…) 

Esta tradição católica, que pela oração relembra à comunidade o momento da Anunciação pelo Anjo Gabriel à Virgem Maria, está a desaparecer. Esta paisagem sonora está a definhar.

Os sinos das igrejas e as sinetas das capelas também soavam (talvez ainda soem em algumas terras) noutras alturas do dia. Eram três os momentos:

Ao nascer do sol –  Toque das Avé-Marias – marcava o início do dia e do trabalho;

Ao meio-dia  – Angelus – anunciava uma pausa para rezar e para a refeição;

Ao pôr do solToque das Trindades – marcava mais um momento de oração e de recolha a casa, depois de um dia de trabalho no campo. E as crianças reconheciam o ecoar destas badaladas como a hora de abandonar as brincadeiras nos largos e caminhos da aldeia e regressar a casa.

O toque do sino ou da sineta poderia ser feito rotativamente, por um elemento de cada casa, ou por um sineiro.

Mas os sinos tinham (e ainda têm) outros toques, outras funções, outras intenções, outros objetivos. A intenção dita a forma de o tocar, que era reconhecida por todos (hoje só pelos mais velhos).

Diz-se que os sinos repicam em quadros festivos, dobram em situações de dor e tocam a rebate em cenários de perigo.

Lá do alto das torres das igrejas e das capelas, a voz do sino chega mais longe, fazendo o elo de ligação com as forças sobrenaturais para afastar ameaças, espíritos malignos, pragas nas culturas e o mau tempo. Como é poderoso e respeitado! 

Eu ainda me lembro de ouvir o toque da sineta da capela da minha aldeia – Gatão –, a convidar para a oração, clamando à chuva que descesse à terra e salvasse as culturas da seca; e pelo menos uma vez a alertar para um incêndio.

Capela do Espírito Santo (Gatão, freguesia de Cepelos, concelho de Vale de Cambra)

 

Associados à proteção, os sinos chamavam para a oração coletiva ou individual também em situações de partos difíceis, doentes em agonia ou às portas da morte, pestes e epidemias.

É um dos instrumentos mais antigos do mundo – há referências ao mesmo que remontam ao segundo milénio antes de Cristo – e está carregado de simbolismo.

Eram usados na abertura de eventos, em momentos de culto, em balneários, em templos e mercados, e terão chegado à Europa entre os séculos III e IV, sendo a sua principal função a de chamamento.

Muito presentes em mosteiros, só por volta do século XIII subiram às torres das igrejas, aos campanários, e a sua função galgou as margens do religioso.

Ao longo dos séculos, assumiu funções sociais e culturais de muita importância: delimitar o tempo individual e coletivo (uma das principais e duradouras); anunciar o tempo de oração e regulação da vida nos  mosteiros e da igreja; anunciar momentos canónicos e chamar para a oração. 

O valor simbólico do sino é bem maior do que o seu custo em fundição de metal e de restauro ao longo dos anos. O sino é testemunho da história de uma comunidade; é memória coletiva; é identidade; é a voz de um povo; é a voz de Deus. O som do sino simboliza o chamamento divino; a comunicação entre a terra e o Céu; a harmonia universal.

No antigo Egito, estava presente no culto do deus Osíris; e  penduravam-se campainhas no pescoço dos animais e nas portas das casas. 

Ramsés II, o Rei dos Reis, o Rei Sol, o Pai do primeiro tratado de paz conhecido na história, tinha uma corrente decorada com pequenos sinos.

Moisés foi um dos que introduziram os sinos nas cerimónias judaicas.

Na índia, o sino é o símbolo do ouvido e da audição.

Na China, utilizavam sinos em apresentações musicais e, na cultura deste povo, o som deste instrumento representa o som dos trovões.

Para o budismo, o som dos sinos de ouro simboliza as vozes divinas.

Nas escrituras hebraicas lê-se que atavam pequenos sinos de ouro às vestes dos sacerdotes e gravavam mensagens de fé nas campainhas dos cavalos.

Na Grécia antiga era usado em esconjuros ligados à proteção dos animais e aos rituais funerários, chamava o povo para festas, sinalizava feiras e era utilizado com fins militares.

Segundo a mitologia cristã, o sino têm o poder de: tornar os cristão invencíveis na guerra contra o mal, assustar os espíritos maus; purificar e afastar as más influências.

As mudanças ao nível do poder da igreja levaram à construção de torres campanárias administrativas, desvinculadas das igrejas; limitaram-se o número de sinos que estes templos podiam ter; e em algumas situações destruíram-se sinos, para que não fossem utilizados como alarme e ao mesmo tempo para aproveitar o seu material para a guerra.

(continua)

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