“Nem o caminho sem declive dos pardieiros e Algar; nem a beleza dos campos de centeio maduro, cor de ouro,…”
Assim começa o texto da pág. 19 do livro A Lenda do Cabeço do Outeiro dos Riscos; uma alusão a tempos idos.
Quem passava pelo caminho dos castelos há 40 ou 50 anos ainda podia observar campos de centeio maduro, cor de ouro. Hoje já não.
Eu ainda guardo memórias da imagem desses campos. E da faina.
Começava em novembro, com a sementeira. Eram escolhidos os campos ou leiratos (leiras pequenas) que não tinham água de rega, porque o centeio é uma cultura de sequeiro, não precisa de muita água e desenvolve-se bem em solos mais pobres e ambientes frios.
O margeeiro (espécie de charrua) abria os regos na terra, onde o centeio era lançado.
E aí ficava, a desenvolver-se, até junho, sem exigir cuidados.
A altura da ceifa e da malha era dura. Lembro-me de participar numa ceifa do centeio, em Algar, no dia dos meus anos – bela prenda.
Estava calor. O verão começara há pouco; as noites pequenas eram secas e quentes.
A meio da manhã, o campo estava quase cegado e a bucha ajudava a recuperar forças.
O dia da malha era talvez o mais duro. Tinha de ser pela hora do calor maior, para que o grão se soltasse da palha com facilidade.
Nós, os mais pequenos, batíamos as nagalheiras – espigas que estavam no vencilho que atava o colmo. Depois era preciso crivar o grão para lhe retirar os restos de palha e colocá-lo a acabar de secar ao sol; bater a palha com o malho para a amolecer e levar para as medas ou para o palheiro, abastecendo a varela, que haveria de alimentar as vacas e outros animais durante o inverno.
Mas nem toda a palha era para a alimentação dos animais.
Algum colmo servia para encher os enxergões. Todos era substituído, pois com o tempo começava a ficar moído, fazia buracos e acolhia colónias de pulgas. Não era nada confortável.
Retirada toda a palha velha pela abertura que havia no centro do tecido, este era lavado para depois se encher com a nova palha.
Ainda que os padrões de higiene dessa altura fossem diferentes dos de hoje era, sem dúvida, muito melhor dormir num enxergão lavado e cheio de palha nova, a cheirar a verão.
Eu ainda experimentei um desses; e uma cama de ferro antiga.
No final da malha havia vinho verde misturado com cerveja e açúcar – chamam a esta bebida tradicional do norte litoral de Portugal champarrião.
E as crianças também gostavam de molhar o bico.
Era também com colmo que se chamuscava o porco (já morto), no dia da matança.
Assim acontecia, noutros tempos.
Ah, nesses tempo, em que as ceifas duravam dias e dias, juntavam-se muitos homens e mulheres, jovens e menos jovens, e crianças; e a dureza do trabalho era atenuada com cantarolas e com brincadeiras sorrateiras entre rapazes e raparigas solteiros.
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