Ainda mornos, os bolinhos de cabaça rolam pela pista de açúcar e canela, embriagados pelo doce aroma da mistura; e logo são empilhados, em forma de árvore cónica, no prato de orla dourada apenas retirado do guarda-louça nesta época do ano.
As rabanadas fervilham na frigideira, respingando a tampa do velho fogão.
As labaredas na pequena lareira da cozinha anunciam dia de festa.
Mal chega a casa, o cheiro a limão e a canela entra-lhe apressado pelas narinas. O calor que a cozinha emana também já se espalhou pela casa e enrubesce-lhe as faces. Como sabe bem esse quentinho!
– Tó, onde estás? – pergunta o Zé, enquanto pendura o casaco no cabide.
– Ainda agora estava na sala – grita da cozinha a mãe, sem desviar o olhar da última rabanada que já adquiriu a cor perfeita.
E estava. O Tó estava na sala. Muito sossegado.
Zé entra na cozinha e coloca o avental com uma grande cara de rena – prenda do último Natal.
– O que queres que faça, mãe?
– Os fritos já estão prontos. Agora é só arrumar e limpar a cozinha.
E a quatro mãos, rapidamente desimpedem a cozinha de respingos de óleo, pratos com restos de açúcar e canela, pratos sujos de ovos, recipientes de caldas e massas, migalhas espraiadas pela mesa e pelo chão…
– Tóó! Ó Tó, vamos até ao jardim brincar um bocadinho? – grita o Zé, assim que a cozinha fica em termos.
E foram. O Tó gostava mesmo muito de ir para o jardim.
A mãe entra na sala onde a árvore cintila. Fica uns segundos a contemplá-la. Um misto de satisfação e cansaço apodera-se dela. Mas ainda há muito a fazer. Abre a gaveta do móvel lacado e sente uma comichão no nariz. Coça-o com as costas da mão antes de retirar a toalha (com motivos de Natal) a cheirar a naftalina e com as dobras bem vincadas. Estende-a sobre a mesa grande e estica-a o melhor que pode (não ia ligar o ferro de engomar só por isso). Retira agora a outra, mais pequena, para o móvel lateral, e procede da mesma forma. Do louceiro para a mesa faz migrar a baixela de festa; e cada peça é colocada milimetricamente no seu lugar. Nos guardanapos de pano ata uma fita vermelha e coloca-lhe um fruto de rosa. Finaliza com algumas velas aromáticas e um centro de mesa que ela própria fez.
Mira de um lado, mira do outro; observa da porta para ver dessa perspetiva (a dos convidados); ajusta uma vela, endireita um ramo do arranjo da mesa, dá uma esticadela numa ponta da toalha, apanha uma folhita seca do chão (deve ter ido agarrada aos chinelos). Agora sim, tudo no devido lugar!
Várias viagens à cozinha depois, coloca o último prato sobre a mesa lateral: figos recheados com nozes. Enquanto acaba de mastigar um exemplar desta iguaria, contempla mais uma vez a sala.
Perfeito! Está tudo lindo! Digno de um decorador de interiores (natalícios).
Agora só falta varrer as últimas folhas do pátio, tomar um banho e pronto. O resto da família pode chegar. Em conjunto hão de preparar e comer a bacalhoada; e hão de saborear, entre conversas e gargalhadas, os doces de Natal – a sua especialidade.
Antes de sair para o pátio, volta uma vez mais à sala, para ajeitar as almofadas de patchwork no sofá sob o quadro de um menino da lágrima.
Entretanto chega o Tó, a correr; e o Zé, mais atrás, com ar cansado.
– Vens mesmo contente, Tó! – E passa-lhe a mão pela cabeça, mas com a atenção já nas folhas. – Traz a pá, filho!
Mãe e filho apanham os vários montinhos de folhas secas quebradiças e a farfalhar, lançando-as no monte da pequena horta (iriam dar um ótimo húmus para as hortícolas!)
Tó sente o cheiro dos doces de Natal a entrar-lhe nas narinas. Sorrateiro, como só ele sabe ser, entra devagarinho porta adentro; dirige-se à sala – ufa!, que sorte, a porta está só encostada.
Mal entra, os olhos esbugalham-se. Aproxima-se. A cabeça fica um pouco acima da mesa. A visão que dali tem é fantástica.
– Está bom, filho! Vamos para dentro – diz a mãe com um suspiro, pousando a vassoura e a pá no sítio do costume.
– Vamos! O Tó? – pergunta o Zé, olhando à sua volta.
E sem esperar resposta dirige-se apressadamente para a sala. A mãe segue-o.
– Ó Tó… Olha o que fizeste…
Sem expressão de arrependimento, Tó aproxima-se do dono a abanar a cauda.
A mesa lateral exige um rearranjo rápido, antes que as visitas cheguem. É preciso substituir a toalha por uma limpa, fazer uma nova árvore de Natal de bolinhos de cabaça (com os mais feios que ficaram guardados na cozinha), retirar o prato de esmigalhado de rabanadas… e alargar os pratos dos doces.
Este seria o primeiro Natal, de que se lembrava, sem rabanadas (paciência!).
O pior era aquela enorme nódoa de gordura na alcatifa – de uma rabanada aí esparramada.