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«Sempre entre mim e ao que chamam coisas há de haver palavras» (Rui Belo)

Se os alunos de hoje pudessem viajar numa máquina do tempo até uma aldeia do norte de Portugal de há 25 anos e pudessem falar com as pessoas mais velhas desse tempo, provavelmente precisariam de um tradutor. Sim, poderão dizer-me que hoje, às vezes, ainda acontece. É verdade, mas cada vez menos.

Se na escola apresentarmos este texto, provavelmente os alunos irão perguntar «Que língua é esta?». E alguns terão a tentação de usar IA para a identificarem.

Este é um excerto de «A Lenda do Cabeço do Outeiro dos Riscos», contada pela Ti d’Eira Velha – a exímia contadora de histórias – há 25 anos, e que eu transcrevi, de acordo com a oralidade. É verdade que estamos a falar de um registo oral, mas ainda assim, não são muitos os anos que nos separam.

E afinal, não é a oralidade que dá origem às línguas? Não é a oralidade muito anterior à escrita?

A origem das lendas como esta e outras histórias, canções, rimas, lengalengas… perde-se no tempo; num tempo bem anterior à escrita.

 

Mas nem é preciso ir tão longe, se usarmos algumas destas palavras com os alunos de hoje, acredito que não saberão o significado da maior parte delas (senão de todas).

É claro que, a cada dia, há novas palavras que surgem, e se permanecerem na boca dos falantes por um bom período de tempo, acabarão por ir parar aos dicionários; e há palavras antigas que deixam de ser usadas pelos falantes, mesmo que continuem a marcar presença nos dicionários.

As línguas são vivas: as palavras surgem, evoluem, dão origem a novas palavras, a novos significados, passam de língua para língua, dão origem a novas línguas; e dentro de cada língua há também muita variação.

E porque é que isso acontece? A «culpa» é nossa. Cada um de nós tem a sua cota de responsabilidade nas mudanças que ocorrem na língua. Provavelmente nem pensamos nisso, mas quando falamos tentamos que seja com o menor esforço e a máxima expressividade.

A língua varia porque os falantes também variam. Não há dois falantes iguais do ponto de vista físico, social e cultural. Cada um de nós tem um corpo, um aparelho fonador e um aparelho auditivo próprios, por isso, ouvimos e pronunciamos as palavras de forma, pelo menos ligeiramente, diferente; e as pessoas com quem aprendemos a falar, com quem nos relacionamos, pronunciam as palavras de acordo também com as suas características físicas, sociais e culturais. E também inventamos/podemos inventar palavras. Se integrarão a língua, o futuro o dirá.

E assim acontecem as mudanças nas línguas, ao longo dos séculos.

O Dia Mundial da Língua Portuguesa é ainda uma criança. Nasceu em 2019 e começou a andar em 2020. Mas a Língua Portuguesa, essa, já tem muitos séculos; e é tão rica! Tão bonita na sua variedade  de norte a sul, do interior ao litoral, do continente às ilhas deste nosso Portugal;  tão bonita na sua variedade do Brasil aos PALOP e a Timor-Leste – terras dos nossos irmãos.

E tem uma história. Uma história fascinante. Eu, pelo menos, fico sempre fascinada quando ouço ou leio algo sobre a história da língua.

 

E agora: dois livros (nos quais me baseei para escrever esta crónica) e dois desafios.

 

Assim nasceu uma língua, de Fernando Venâncio

História do Português desde o BIG BANG, de Marco Neves

 

Desafio 1 – Quando estiveres com outras pessoas, em diferentes localidades de Portugal (ou até em outro país de língua portuguesa), atenta na pronúncia dos falantes, no ritmo, no tom…, nas palavras típicas de cada zona… aposto que te vais deliciar.

Desafio 2 – Mostra o excerto e as palavras (que apresentei em cima) aos teus filhos ou alunos e conta-me como foi.

Conseguiram compreender o texto? Quantas destas palavras antigas conheciam?

Comentários(2)

    • Marcelo

    • 4 meses atrás

    Excelente. O português e a sua constante capacidade de aquecer nosso coração. Só faltou reforçar a beleza e a variedade da língua portuguesa também no Brasil, nos PALOP e Timor-Leste.

    • Isabel Gonçalves

    • 4 meses atrás

    Tem toda a razão! Faltou, sim!
    Vou acrescentar, porque concordo inteiramente. E quem ler este artigo a partir deste momento, já encontra essa referência.
    Muito obrigada, Marcelo!

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