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Pego no toco do lápis de carvão – tenho o hábito, há muitos anos, de usar os tocos dos lápis de carvão que já ninguém usa, que já ninguém quer usar, porque de tão pequeninos dificultam a escrita; tenho a mania de evitar os desperdícios – e escrevo mais algumas palavras na minha lista.

Palavras: bonitas só porque sim; que me encantam só de as olhar; que me transportam a lugares e memórias. 

Palavras: ouvidas numa qualquer conversa; que do nada tornam à minha cabeça; encontradas nos livros que leio – tenho o hábito, há muitos anos, de ler vários livros em simultâneo.

Admiro a nova forma das minhas letras: diria até que são bonitas, bem desenhadas, redondinhas; fazem-me lembrar os alunos no 1.º ano, a aprender a ler e escrever; fazem-me lembrar o Rodrigo – tive muitos outros alunos esquerdinos, mas é deste que me fica a memória, da sua letra muito bonita, muito bem desenhada, com desenvoltura.

Fecho o caderno de capa amarela. Como gosto do amarelo!

Tinha acabado de ler um excerto do livro que ainda não comprei: As Margens e a Escrita, de Elena Ferrante.

E tomo consciência de que também voltei a experimentar essas sensações de criança; de que também necessito de me concentrar para escrever, letra após letra, não em caracteres de imprensa, mas com o mesmo olhar contraído.

É sábado. A chuva de outono fustiga as vidraças – sabe bem estar em casa em dias de chuva.

Parti o braço direito e estou a recuperar. Não escrevo muito no papel, mas  há sempre uma lista de compras a fazer, um recado a anotar, uma data de consulta a registar. A mão esquerda, resistente no início, não teve outro remédio senão resignar-se – e treinar aquilo que nunca antes tinha feito: escrever. Dou-lhe uma ajuda: permito-lhe que escolha a melhor posição do papel; a melhor forma de pegar no toco do lápis; e depois é seguir em frente, papel adiante.

Como se regressasse à escola, naquele ano de 1979, para aprender a escrever as letras que eu já conhecia dos cadernos de duas linhas do meu primo Cid, um ano mais velho.

É saboroso – duplamente saboroso – ao fim de poucos dias registar já, no caderno de capa amarela,  novas palavras, com alguma desenvoltura.

Só costumamos dar valor às coisas quando não as temos – e eu quero muito voltar a escrever com a minha mão direita – mas nestes dias, quero muito também dar valor ao que agora tenho – tempo: para ler; para escrever; para registar palavras no caderno de capa amarela, letra a letra, palavra a palavra; cada uma a seu tempo, pensada, contemplada, arrumada no seu lugar.

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