Brinca enquanto souberes! Tudo o que é bom e belo Se desaprende… (Miguel Torga)
Quando eu era criança, não tinha brinquedos. A maior parte dos meus amigos de infância também não. Ou tinham muito poucos. O que a natureza oferecia dava e sobejava para nos entreter, horas a fio – num tempo em que a televisão (nas casas onde existia), apenas com dois canais, iniciava as emissões só no final da tarde, com os desenhos animados («os bonecos», como lhes chamávamos); num tempo em que o tempo corria devagar e exigia muita criatividade para o ocupar.
E brincar era sempre uma forma de fazer ciência e também de meditar. Três em um, portanto.
Fazer bolas de sabão, por exemplo, implicava um longo processo:
Ir ao palheiro procurar palheiras direitinhas (sem uma amolgadela sequer), de centeio ou de aveia (não podia ser de qualquer palha) – de vários diâmetros, para obter bolas de tamanhos diferentes. Se a palha já estava muito velha e partida tornava a tarefa árdua, tão árdua como procurar uma agulha num palheiro.
Cortá-la com o comprimento certo – nem muito curto, nem demasiado comprido (tenho ideia até que havia uma medida padrão) –, com muito cuidado, para não a partir.
Procurar restos de sabão. Não havendo, paciência, cortava-se uma lasquinha do pau de sabão (sem a mãe ver, que ela não queria que se estragasse ou desperdiçasse nada).
Colocar o sabão num recipiente com água e mexer de vez em quando, para o dissolver. Um processo que exigia alguma paciência, principalmente se esses pedaços tinham sido arrancados da pedra do tanque, com muito custo, por estarem demasido ressequidos do sol. Neste caso era mesmo preciso paciência de Jó.
Mergulhar a ponta da palheira na água e soprar com delicadeza. E voilà! Bolas e mais bolas.
Ora, com todo este processo, já várias horas haviam passado, seguramente.
Diz-me lá se não era preciso ser um verdadeiro cientista para levar avante todas estas etapas, assegurando que todas as variáveis eram controladas para que funcionasse.
Quando algo corria mal, e as bolas não saiam como deve ser, era preciso analisar o processo; averiguar as falhas; corrigir o necessário.
Fazer bolas de sabão implica também muita concentração; implica estar no momento presente, no aqui e agora, nas várias etapas do processo. Não é à toa que este exercício aparece em muitos livros e sites de meditação para crianças.
Fazer gaitas de centeio , de maias ou de coucelos, jogar às pedrinhas e a tantas outras brincadeiras da época, implicava sempre um processo de preparação. E, em alguns casos, o apoio de um adulto.
Outros tempos.
É verdade que não podemos comparar os tempos; os tempos de hoje não são os da minha infância. Nem quero, com os exemplos de brincadeiras que dei, sugerir que as crianças voltem aos palheiros à procura de uma palheira para fazerem bolas de sabão. Quero apenas dizer que também é importante haver momentos para não fazerem nada; e momentos para criarem os seus próprios brinquedos e as suas brincadeiras. E um dia, quando forem adultas, vão lembrar-se dos seus tempos de criança, também como um tempo passado, porventura com algum saudosismo e, até, quem sabe, com a expressão sempre pronta: «no meu tempo é que era!»
No dia 1 de junho comemora-se o Dia Mundial da Criança. Esta data assinalou-se pela primeira vez em 1950 – uma iniciativa das Nações Unidas, com o objetivo de chamar a atenção para os problemas que as crianças nessa altura enfrentavam.
A partir deste ano, será celebrado também anualmente, a 11 de junho, o Dia Internacional do Brincar – uma resolução da ONU que visa a promoção do direito das crianças a terem espaço e tempo para brincar; porque brincar é fundamental para o desenvolvimento humano.
Brincar não serve apenas para nos divertirmos; brincar faz parte da natureza humana. Através da brincadeira aprendemos, crescemos e desenvolvemos competências para o futuro.
Agora: alguns vídeos, dois livro e dois desafios.
Livro 1: «A Lenda do Calhau do Tronco», do projeto «Vale de Tesouros», que inclui a referência a alguns brinquedos do tempo dos nossos avós.
Vê aqui alguns vídeos.
Livro 2: Os Jogos da minha Infância – um conjunto de jogos populares, devidamente descritos.
Desafio 1 – Constrói com as crianças que te rodeiam alguns destes brinquedos e conta-me como foi. Podes enviar-me fotografias ou pequenos vídeos.
Desafio 2 – Conheces outros jogos/brinquedos/brincadeiras antigos? Partilha comigo.