Aviso: A leitura deste artigo por crianças deverá ter o devido acompanhamento de um adulto.
Quem já conhecia «A Lenda do Cabeço do Outeiro dos Riscos» com certeza notou um novo elemento na narrativa deste livro: um saiote – vermelho.
Descobri-o na minha caixa de coisas-para-guardar, numa daquelas fotocópias amareladas de 1998. Já não me lembrava, mas estava ali registado, não havia dúvidas, e iria enriquecer esta lenda com a sua simbologia. Julgo saber que o saiote não é um elemento que costume estar presente em mitos e lendas; mas a cor vermelha sim (muito presente também nas pinturas rupestres), e é associada à fertilidade.
A informadora foi a Sr.ª Joaquina de Gatão. Note-se o Sr.ª em vez de Tia, como era costume na aldeia. Ela era professora – regente escolar –, uma das muitas mulheres que exerceram o ensino primário nos meios rurais, onde de outra forma não teria existido. Sem a ação destas profissionais, o avanço da alfabetização em Portugal teria sido ainda mais lento. Daí, o tratamento diferenciado.
Ora, o saiote (que as mulheres, antigamente, usavam por baixo da saia) era uma espécie de saia, com elástico na cinta e poderia ser de diversos tecidos e ter adornos variados. Os saiotes de usar ao domingo e em dias de festa costumavam ter rendas no fundo, que ficavam muito bonitas a espreitar por baixo da saia. Esta peça de vestuário tornava também a anca das raparigas mais sedutora.
Na verdade, para além das questões estéticas, o saiote era uma peça muito útil: ajudava a esconder o sexo, já que, normalmente, as mulheres da aldeia não usavam cuecas – é verdade, não se admirem os mais novos –, facto que tinha também benefícios na saúde intima (prevenia infeções); facilitava nas necessidades fisiológicas – permitia-lhes fazer chichi quase de pé; nos trabalhos do campo, bastava colocar-se junto a um combro, por exemplo, afastar as pernas e baixar-se um bocadinho; depois, limpavam-se ao saiote e continuavam as suas lides.
Na altura da menstruação, na ausência de cuecas e mais ainda de pensos higiénicos, o saiote traçado, parte da frente com parte de trás – o que implicava que o saiote fosse bastante rodado – e preso com um alfinete de dama, ajudava a segurar o fluxo menstrual. E sendo um saiote vermelho ainda melhor. Era tudo da mesma cor.
Os saiotes marcaram presença em diferentes períodos da história e foram-se adaptando. Hoje ainda se usam, por exemplo, sob os vestidos de noiva.
O saiote, vermelho, além da utilidade referida, está carregado de simbologia, não fosse ele uma peça de vestuário íntima, que se usa na parte de baixo do corpo, perto do sexo; e da terra.
O vermelho é símbolo de sangue, de vida, de fertilidade, de esperança; mas também de poder, de perigo, de proibido. Esta cor quente é também associada ao amor e à paixão; e ainda ao diabo, ao pecado e à tentação (e por aqui me fico na simbologia desta cor, porque muito mais haveria a dizer e não te quero enfadar).
Ora, sendo o carnaval – também conhecido, principalmente nos meios rurais e no norte, por entrudo (do latim introitus), que significa entrada no tempo da quaresma, num tempo de contenção – época de transgressão, extravagância, excesso e liberdade, marca também um período de transição e pronuncio: antecipa uma época de regeneração, fecundidade, crescimento, abundância e esperança. O inverno irá dar lugar à primavera; os dias crescem e os campos serão preparados para acolherem as sementes no seu ventre (fértil).
Além disso, se prestarmos atenção à tradição carnavalesca portuguesa, constatamos que está carregada de elementos simbólicos. Um desses elementos é precisamente o saiote vermelho.
As mulheres de Castro Laboreiro, no carnaval, ou melhor, no entroido, usam uma vestimenta muito peculiar: o farrangalheiro, que incluiu garruços com fitas de papel colorido na cabeça, renda para tapar a cara (e dificultar a identificação da mulher), lenço de franjas amarelo ou de outras cores garridas, pelos ombros, camisa branca e saiote vermelho, entre outros elementos típicos. E é dessa forma que percorrem os caminhos da terra, metendo-se com toda a gente, dos mais novos aos mais velhos, com o humor típico da quadra.
O saiote vermelho, tem, sem dúvida, muito que se lhe diga.
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Ah, uma curiosidade: há uns anos, eu era uma das cinco mulheres que criaram um grupo de teatro (que não avançou da fase inicial), cujo nome era precisamente «SAIOTE»: por sermos um grupo de mulheres; numa alusão também à fertilidade num sentido mais lato – de abundância de ideias e projetos que pretendíamos desenvolver.