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Nesta empreitada da reescrita das lendas da minha terra, numa das pesquisas pela net,  encontrei uma pérola: um áudio onde  logo reconheci na voz a Ti Albertina – carinhosamente tratada por Ti d’Eira Velha – a contar a Lenda do Cabeço do Outeiro dos Riscos.

Foi como se recuasse no tempo; mais de 20 anos. Aquela voz ecoou  nas minhas memórias. Trouxe-me mil e uma lembranças encantadoras dessa exímia contadora de histórias.

Como gostava de a ouvir quando, nas suas caminhadas diárias, parava à minha porta, sempre com uma nova história para contar: lendas de moiras, histórias de vida, passagens e dificuldades do seu tempo.

E eu ouvia, sem pestanejar: que uma sardinha dava para três (pessoas); que só comia galinha quem estivesse doente ou mulher que desse à luz; que ao almoço (como era designado o pequeno-almoço) comiam migas – água a ferver, banha de porco e broa; que todos ansiavam o dia de comer talhadas – entrecosto ou toucinho frito , crocante, cuja banha derretida regava as batatas cozidas; que para cozer a broa se aquecia o forno com tojo gatanho – porque a lenha era para vender – e tapava-se a porta com bosta de vaca;  que as raparigas ao domingo iam à erva aos lameiros e os rapazes iam lá ter, e aos pares, bem abraçados, rebolavam pela erva, para a tombar e esta ser mais fácil de apanhar – diziam eles e elas; que as mulheres fiavam ao sol e à luz da candeia – “de dia para comer e de noite para ter”; que todos os dias o leite era levado numa lata, à cabeça, de Gatão até ao Martins e Rebelo, cerca de doze quilómetros a pé, porque o posto de receção ainda não tinha chegado à terra.

Tudo registei – na memória – que os gravadores eram raros e pouco acessíveis às gentes da aldeia; e o telemóvel, quando chegou às minhas mãos, ainda não permitia gravações. Não era no tempo em que os animais falavam. Não! Não era tanto lá atrás. Era no tempo em que os telemóveis – “tijolos” fantásticos – permitiam chamadas, enviar e receber  mensagens (quase em todo o lado) e jogar o clássico jogo de 1997: Snake.

Já não tenho a ti d’Eira Velha em presença para me contar – mais uma vez – a lenda, mas tenho agora esse registo que eternizará a sua voz.

Podes ouvi-lo aqui.

Obrigada ao autor da gravação – Alexandre Rodrigues.

Ah, esta fotografia da Ti d’Eira Velha foi tirada no dia do meu casamento. Cinco anos depois, faleceu.

E tu, tens ou conheces quem tenha gravações ou outros registos antigos de lendas?

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